Medportal entrevista especialista em Sustentabilidade e práticas ESG

Instituições de saúde, desde os grandes grupos até as pequenas unidades, estão cada vez mais conscientes sobre a importância de adotar práticas sustentáveis que abarquem todos os seus aspectos de atuação.

Hospitais e demais instituições deixaram de se preocupar exclusivamente com a assistência e, pouco a pouco, têm tomado dimensão do seu impacto ambiental, social e econômico. Por isso, estratégias de organização de todas essas demandas ganham destaque.

Hoje em dia, uma das palavras de ordem é ESG, sigla em inglês para Environmental, Social and Governance. Na prática, trata-se da elaboração e aplicação de um relatório em que são levantados pontos importantes ao meio ambiente e à sociedade os quais a empresa já adota ou se compromete em cumprir.

Para saber mais sobre o assunto, conversamos com um dos maiores especialistas em sustentabilidade do país, o professor Marcos Felipe Magalhães. Doutor em Ciências pela COPPE-UFRJ, pós-doutor pelo Instituto de Economia da UFRJ, ele é autor do livro “Estratégias para o desenvolvimento sustentável: ASG+P” (Editora Atlas, 2023) e futuro coordenador do programa de certificação em Desenvolvimento Sustentável na Saúde do Colégio Brasileiro de Executivos da Saúde (CBEXs), iniciativa que será lançada ainda este ano.

Na entrevista, ele fala um pouco sobre o conceito e a evolução das práticas de sustentabilidade e ESG, tece algumas críticas aos modelos aplicados, revela quais os desafios de implantação – e destaca a que os hospitais devem estar atentos para se adaptarem.

Por que se fala tanto em ESG hoje em dia?

Eu particularmente falo ASG, que é: Ambiente, Sociedade e Governança. Trata-se de uma expansão do conceito de sustentabilidade, palavra capturada em uma primeira abordagem pelos ambientalistas.

Entendo que são quatro os pilares do desenvolvimento sustentável:

1) Sustentabilidade Ambiental, que é a visão mais comum quando se fala de sustentabilidade;

2) Responsabilidade Social, tratada em muitos casos como algo à parte da sustentabilidade;

3) Governança consciente, que é gerir o negócio não só pensando no acionista, mas também em todas as partes interessadas;

4) Humanismo no Trabalho, a visão de que qualquer produção não é feita somente por um conjunto de máquinas, de robôs – mas, conta com a participação de pessoas em várias de suas dimensões.

Por que se começou a falar muito de ASG? Aí, temos que pensar em qual é o conceito básico de desenvolvimento sustentável: a proteção aos recursos de produção. Se você acabar com a natureza, com a sociedade e com as pessoas, você não tem nenhum resultado, não é uma organização sustentável.

E o que deve nortear as ações em ESG ou ASG?

Em resumo, tudo o que se tira da natureza tem que ser devolvido sob forma de recuperação. Tudo o que se tira da sociedade tem que ser entregue como desenvolvimento. Tudo o que se retira do capital tem que ser entregue em rentabilidade. E tudo o que se retira das pessoas tem que ser devolvido como satisfação.

Assim, eu não posso tirar madeira ilegalmente para ganhar dinheiro. Eu não posso pedir para o prefeito tirar imposto porque eu vou oferecer empregos. Eu não posso pedir às pessoas para trabalharem de graça porque eu preciso dar lucro.

Para cada um desses tópicos tem de haver um fluxo em que a valência, a unidade de medida, seja equivalente.

Hoje, precisamos de uma sociedade cada vez mais equilibrada. Não posso, por exemplo, fazer com que minha empresa perca confiança, deixando de ser transparente com o investidor. Caso contrário, viro uma empresa que, apesar de ser um bom negócio, perdeu um de seus pilares, o da Governança Consciente.

Não posso ter uma obra como o canal do Panamá, que possui mais gente enterrada do que cimento em sua construção. Não posso construir um estádio de futebol para a Copa do Mundo no qual morreram muitas pessoas. Não posso ter um hospital sem pensar no burnout de quem trabalha no CTI e outros setores que exigem máxima atenção.

Devo pensar em todos os recursos disponíveis na natureza, na sociedade, de capital e de pessoas – e como eu preservo isso. O desenvolvimento sustentável nada mais é do que eu preservar os meus recursos.

Onde o ESG surgiu?

A primeira citação de sustentabilidade foi em um projeto chamado The Brundtland Commission, de 1987. Em seguida, há o Relatório de Sustentabilidade da Shell, de 1997. E, em 2005, o Banco Mundial lança o Triple Bottom Line, o tripé da sustentabilidade: People (Pessoas), Planet (Planeta) e Profit (Lucros). Ou seja, tem que haver resultados para a empresa, para as pessoas e para o planeta.

Em seguida, começou-se a falar de stakeholder. Isto é, as partes interessadas. Esse termo foi criado para se contrapor a stockholder, que são os donos de ações das empresas. Manda quem tem a ação, mas há outras partes interessadas que também apostam nas empresas e não necessariamente são os donos.

Por isso, eu não posso somente agradar os stock, mas também os stake.

Hoje em dia, grandes empresas não têm apenas compromisso com o lucro – e sim com todas as partes interessadas. Antes, dizia-se que a missão de uma empresa era atender ao cliente de maneira lucrativa, para se atingir resultados satisfatórios.

Atualmente, a única missão para qualquer empresa é atender da maneira mais harmônica possível todas as partes interessadas. Ela não pode se preocupar somente com a gestão financeira – e sim atender a todos os compromissos ambientais, sociais e com as pessoas.

Se uma empresa não atender ao cliente, ela quebra. Se não atender ao fornecedor, ela não consegue produzir. Se não atender ao acionista, ela para de receber recursos. Se não atender à comunidade, gera conflitos. Se não atender ao governo, ela quebra, pois vai ser proibida de trabalhar.

De que forma o conceito foi se consolidando ao longo do tempo?

O primeiro passo dentro dessa evolução ocorreu em 2015, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou os ODS – os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Neles, fala-se de pessoas, planeta, prosperidade, paz e parcerias. É muito utópico.

Afinal, como encontrar um indicador para mensurar a paz? Um indicador de paz é não ter guerra. Quais são as empresas que estão atendendo a paz? Paz é um recurso social?

O debate avançou em 2020, quando o Fórum Econômico Mundial estabeleceu algumas regras para se cuidar da governança, do planeta, das pessoas e da prosperidade econômica.

Analisando bem, você sempre chega a quatro pontos: Ambiente, Sociedade, Governança e Pessoas. Portanto, a sigla ESG ou ASG, precisa ser acrescida do P (Pessoas) para refletir com mais clareza os interesses individuais de certas partes interessadas. Por exemplo, os tópicos de Educação ou Direitos Humanos estão em Sociedade (interesses coletivos), mas Capacitação profissional e Inclusão e Diversidade (interesses individuais) são temas contemplados pelas partes interessadas em Pessoas.


Daí a evolução para o que estamos chamando de Desenvolvimento Sustentável ASG+P.

De que forma aplicar as exigências de ESG, de maneira que elas não fiquem somente no papel?

Para isso, você tem a Matriz de Desenvolvimento Sustentável. De que forma objetiva eu cuido de cada um dos 16 quadrantes dessa Matriz?

Eu faço alguma coisa para cuidar da água ou só pago a conta? Eu faço algo para economizar energia? Eu compenso o meu consumo de carbono de alguma maneira? Faço alguma coisa com meu lixo reciclável? Se a resposta para tudo é não, então sua empresa não é sustentável de forma alguma!

Além disso, se algum aspecto da Matriz fica de fora, seu negócio ainda não é sustentável. Ou seja, você tem que ter práticas para dar conta do que pedem todos os quadrantes.

Outro aspecto: se eu sequer tenho a preocupação de ser transparente nos meus relatórios financeiros, os indicadores relativos a isso nem vão aparecer! Mais um ponto: os meus fornecedores cuidam da qualidade de vida de quem trabalha para eles? A questão recente das vinícolas do Sul é um exemplo disso.

Então, o suporte para todas as ações é a Matriz de Desenvolvimento Sustentável. Nela, estão os compromissos que você tem que ter com os seus recursos.

Quando o senhor fala da importância de incluir a Pessoa nas práticas de ESG, do que se trata exatamente?

O aspecto das Pessoas foi destacado porque ele se relaciona a uma série de oportunidades que a empresa tem para preservar os recursos de produção. Quais são eles? Mais uma vez: o ambiente, a sociedade, a governança e as pessoas. Preciso de medidas para mantê-los.

Vamos a um exemplo bastante prático. Tenho R$ 1 milhão para investir em um cenário de pessoas trabalhando em condições insalubres. Há dois caminhos: eu posso aumentar o salário desses profissionais, como forma de compensação à insalubridade; ou eu posso investir em melhorar as condições de trabalho. Qual delas é sustentável a longo prazo?

A segunda opção, claro. Ao aumentar os salários, eu não estou preservando o recurso de produção, eu posso na verdade estar antecipando sua degradação: o profissional ganha mais dinheiro, no entanto, perde qualidade de vida ou morre mais cedo.

Por outro lado, se eu melhorar as condições de trabalho, faço com que as pessoas trabalhem mais tempo, com a saúde preservada.

Do ponto de vista de muitos sindicatos, por exemplo, determinar insalubridade em um ambiente de trabalho é uma forma de aumentar a renda do profissional. Mas, na nossa perspectiva, para atender o ESG, eu tenho de melhorar toda a condição de trabalho – e, por consequência, oferecer mais qualidade de vida à pessoa.

Em Economia, o tópico das Pessoas é um recurso de produção clássico. Desde os tempos de Adam Smith, Karl Marx, eram considerados recursos de produção a terra, o capital e o trabalho. Hoje, com palavras diferentes, ainda falamos de terra, sociedade, capital e trabalho.

Ou seja, você não pode viver sem a terra (o ambiente), sem a sociedade (as condições macroeconômicas), sem organização (que é o seu capital, toda a sua estrutura) e sem o trabalho (as pessoas).

Qual a importância das ferramentas de marketing e comunicação para que a Sustentabilidade e demais práticas ESG sejam cumpridas em uma instituição?

Não é responsabilidade do marketing cuidar da dimensão de Sustentabilidade. Isso porque temos que tomar o cuidado para que a comunicação não provoque o que chamamos de washing.

Exemplos de washing: a empresa diz que toma muito cuidado com o meio ambiente, mas não possui nenhuma ação prática nesse sentido. A empresa afirma que as pessoas adoram o lugar em que trabalham – mas, ao responderem os questionários de satisfação, o resultado sai lá embaixo!

Há ainda outras maneiras de washingmoney washing, social washing etc. – e todas elas têm de ser eliminadas.

Eu particularmente não gosto de atrelar a área de Sustentabilidade ao marketing, aos Recursos Humanos ou ao financeiro.

Sustentabilidade é algo que deve atravessar toda a organização. Ela deve estar embutida em todos os gestores. Faço um paralelo com o tempo em que se falava em Qualidade. Na época, o que aconteceu? Criou-se o Departamento de Qualidade nas empresas, mas, na prática, o vice-presidente de Qualidade tinha que sair correndo atrás de todo mundo para receber apoio e recursos.

O compliance, por exemplo, não é só para agradar o jurídico. É um outro aspecto que também deve estar embutido nas pessoas, afinal, eu não posso fazer coisas que sejam antiéticas. É uma questão de cultura organizacional, tem que fazer parte. ESG, Qualidade e Compliance são elementos transversais.

Como mudar as mentalidades enraizadas de diretores e colaboradores? Por onde começar?

O primeiro passo é pensar na preservação da empresa. O objetivo de qualquer empresa é a perenidade. Assim, eu tenho que manter a sua reputação a longo prazo e cada diretor, cada gestor tem que entender quais são os recursos da organização que precisam ser preservados.

Um exemplo: uma fábrica que praticamente não possui ninguém na linha de produção. Por esse motivo, eu posso acabar com o profissional de RH? Não, porque para fazer toda essa operação eu preciso de desenvolvedores, de metodologia, que demandam gente.

Por isso, cada gestor tem que pensar sobre como preservar os recursos dos quais a empresa depende.

Se eu tenho uma empresa que é muito dependente de recursos humanos, como um hospital, por exemplo. Eu tenho que pensar de que maneira esses profissionais serão tratados no hospital. Tenho que lembrar que, para atender ao paciente, eu não dependo só do médico. Eu dependo de toda uma equipe – e que talvez o auxiliar de enfermagem seja a pessoa que mais gasta tempo com o paciente. Eu não posso destruir a cultura da organização.

Reforçando: cada gestor tem que ter em mente como preservar os quatro elementos do pilar de desenvolvimento sustentável: Sustentabilidade Ambiental, Responsabilidade Social, Governança Consciente e Humanização do Trabalho.

Vamos voltar ao cenário do hospital. O paciente, o que ele quer? Qualidade de assistência. O que a família do paciente quer? Desfechos. O que a equipe deseja? Reputação. E o que o dono do hospital quer? Sustentabilidade econômico-financeira. Eu tenho que atender a esses quatro interessados.

Não posso somente atribuir responsabilidades ao diretor médico, ao diretor financeiro, ao diretor de compras. Todos eles, na verdade, têm que ter em mente a figura central do paciente. Em todas as 16 dimensões da Matriz de Desenvolvimento Sustentável, você tem oportunidade para equilibrar o resultado econômico-financeiro, o resultado operacional e a sua reputação.

E com um investimento eu posso melhorar cada um dos quadrantes. Inovação, por exemplo: eu posso usá-la para melhorar a qualidade de vida das pessoas, reduzindo o estresse no CTI com a diminuição dos barulhos, avisos e alertas. Não é somente uma negociação salarial que oferece isso.

Em Economia existe uma definição muito clara sobre o que a gente chama de investimento: é o que garante o fluxo de caixa futuro. Assim, educação é investimento, marketing também, tecnologia é investimento. Sob o ponto de vista formal, são despesas – a primeira coisa que um CEO corta quando tem que obter resultado de curto prazo.

Se você corta, deixa de investir, que tipo de resultado terá no futuro? Essas são despesas para a sustentabilidade, que afetam diretamente o fluxo de caixa futuro.

Quais os principais desafios ao setor hospitalar para a aplicação de ESG?

Hospitais, especificamente, têm um cuidado muito grande com a atenção ao paciente, a ideia de que é ele o foco central. 

Mas, devemos lembrar que existe sempre a questão da sustentabilidade econômico-financeira, os pagamentos por procedimentos, os financiamentos, detalhes que geram dificuldade de operação. O balanço deve ficar entre qualidade e valor do serviço prestado.

Se você pensar de forma mais ampla, chega à questão de onde posso economizar ambientalmente, por exemplo. Se eu gastar menos água, se eu trocar todo meu sistema de energia por uma fonte renovável, também atuo no balanço de todo o sistema.

Outro aspecto: a qualidade de vida no trabalho. Eu vou fazer compensação de carbono? Farei reciclagem das embalagens farmacêuticas? Como preservar a ética? Eu vou realizar algum tipo de contribuição social, atender à população mais carente ou fazer algum tipo de filantropia, por exemplo?

São vários aspectos que podem ser trabalhados.

O Medportal

Somos parceiros do CBEXs na criação de ações educativas em saúde por meio da tecnologia. Foi por meio do Colégio Brasileiro de Executivos da Saúde que tivemos a honra de conhecer o trabalho do professor Marcos Felipe Magalhães.

O Medportal desenvolve projetos de educação digital em saúde com uso de tecnologia (AVA / LMS), conteúdo próprio e consultorias especializadas. Com isso, atendemos a centenas de instituições em seus programas corporativos de educação e desenvolvimento profissional, alcançando cerca de 500 mil profissionais de saúde em 2023.

A fim de consolidar esse caminho, expandimos nossos horizontes por meio de outras ações, como parcerias com instituições nacionais e internacionais para o oferecimento de programas de formação profissional para lideranças, encontros periódicos de grandes players em saúde, ambientes digitais de interação, entre outros.

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